Meu pai sempre diz: “Quem não arrisca, não petisca.” Ele é assim, corajoso, quando diz que vai fazer algo, ele faz. Aprendi com ele essa ousadia, esse destemor. Afinal, se você não arriscar, nunca alcançará o que deseja. Entretanto, não posso dizer que sou corajoso em tudo, isso seria uma mentira. Creio que isso é comum a todo mundo. Talvez não para as crianças, afinal, a coragem é algo natural para elas. Porém, com o tempo, elas se tornam medrosas também, umas mais e outras menos.
Mas por que será que, ao crescer, nos tornamos mais cautelosos, hesitantes e, muitas vezes, dominados pelo medo? A resposta está no nosso cérebro, em particular nas estruturas envolvidas no processamento do medo e na formação de memórias, como a amígdala e o hipocampo.
Desde cedo, o medo é uma resposta natural do nosso corpo a situações que percebemos como ameaçadoras. Esse mecanismo de sobrevivência nos protegeu desde os tempos das cavernas, quando escapar de um predador era uma questão de vida ou morte. Porém, na sociedade moderna, onde os perigos físicos são menores, os medos se transformaram e se adaptaram às novas ameaças: medo do fracasso, do julgamento, da rejeição.
As experiências traumáticas, especialmente na infância, podem deixar marcas profundas em nossa psique. Quando somos expostos a eventos assustadores ou dolorosos, o cérebro registra essas experiências de maneira vívida. A amígdala, que atua como um centro de alarme, sinaliza o perigo, enquanto o hipocampo armazena essas memórias. Quando algo similar ocorre no futuro, a amígdala entra em ação, desencadeando a resposta de medo, mesmo que a situação atual não seja tão perigosa quanto a original.
Esses registros profundos podem moldar nosso comportamento e nossas decisões ao longo da vida. Uma criança que sofreu um acidente de bicicleta pode crescer evitando bicicletas, mesmo sabendo que a probabilidade de um novo acidente é mínima. Esse medo arraigado pode nos privar de inúmeras experiências e oportunidades.
O trauma age como uma cicatriz na alma. Ele não apenas nos lembra da dor passada, mas também nos faz antecipar o sofrimento futuro. E é aí que os problemas começam. O medo excessivo pode nos paralisar, nos impedindo de agir, de arriscar e, consequentemente, de crescer. Podemos nos ver presos em um ciclo de evitação, onde deixamos de tentar coisas novas por medo do desconhecido.
Na vida adulta, o medo pode se manifestar de várias maneiras: ansiedade social, medo de falar em público, aversão a mudanças, entre outros. Esses medos, embora muitas vezes irracionais, são muito reais para quem os sente e podem limitar nosso potencial de realização.
Mas não precisamos ser reféns do medo. A ciência também nos mostra que o cérebro é plástico, capaz de mudar e se adaptar. A psicoterapia pode nos ajudar a reprocessar essas memórias traumáticas e a desarmar as respostas de medo associadas a elas. Técnicas como a psicanálise, terapia cognitivo-comportamental, dessensibilização e o reprocessamento por meio dos movimentos oculares (EMDR), entre outras, têm mostrado eficácia no tratamento de traumas.
Portanto, entender como o medo funciona e reconhecer suas raízes é o primeiro passo para superá-lo. Se começarmos a olhar para nossas memórias e experiências com um olhar mais científico e menos emocional, podemos desmistificar o medo e recuperar a coragem que muitas vezes fica escondida dentro de nós. Afinal, como diria meu pai, quem não arrisca, realmente, não petisca.
— Alessander Raker Stehling
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