“Eu quero que meu ex seja muito feliz e encontre uma mulher que o ame”, declarou Maria Clara com um sorrisinho de lado, quase convincente, para quem não soubesse o que aconteceu. Término conturbado, traições, humilhações e, para completar, ela grávida de sete meses, sozinha. Mas não, Maria Clara quer que ele seja feliz — ao menos é isso que ela diz. Será mesmo?
Freud, com sua habitual perspicácia, talvez pensasse: “Interessante... Será que é isso mesmo que ela deseja?” Porque, segundo ele, o inconsciente é exatamente o oposto do consciente. Então, enquanto Maria Clara declara essas palavras nobres, lá no fundo, outra parte dela — que não aparece nos almoços de família ou nas redes sociais — está desejando algo bem diferente. Algo mais... condizente com tudo o que passou e sofreu.
E não é que ela seja má ou vingativa. É que admitir certos sentimentos, como o desejo de que ele pague por tudo o que fez, vai contra tudo que Maria Clara aprendeu. “Dar a outra face”, ser generosa, perdoar. Desejar o bem, mesmo de quem nos feriu. Só que, como dizem: “Quem bate, esquece; quem apanha, não.”
Freud descobriu, ao trabalhar com seus pacientes, que muitos dos sentimentos e desejos que expressamos conscientemente são o exato oposto do que realmente sentimos. É um mecanismo de defesa. O inconsciente, ao perceber que certos desejos não seriam bem-vindos na consciência, transforma-os em algo mais socialmente aceitável. Assim, a raiva e o desejo de vingança de Maria Clara tornam-se “desejo de felicidade”.
Esse fenômeno é bem ilustrado com o exemplo do filho que diz estar preocupado com o pai alcoólatra. Por trás da preocupação consciente, pode haver um desejo inconsciente de que o pai finalmente sofra as consequências de seus atos, pagando pelo sofrimento que causou. Mas a consciência não aceitaria em hipótese alguma o desejo de que o pai sofra ou morra, por isso esse desejo é disfarçado de “preocupação com sua vida”, porque é uma emoção mais palatável e menos condenável.
No final das contas, a descoberta de Freud sugere que muitas coisas que pensamos saber sobre nós mesmos são falsas e precisam ser colocadas em xeque. E talvez, ao contrário do que Maria Clara acredita, o primeiro passo para o autoconhecimento seja admitir: “Quero que ele se lasque, sim. E daí?”
Ironia do destino, possivelmente, o caminho para a tão almejada paz de espírito não passe por desejar felicidade ao ex, mas por aceitar o desejo oposto. Afinal, como Freud nos ensinou, não somos tão santinhos e bonzinhos quanto acreditamos; temos também um lado cruel e sombrio que, infelizmente, poucos estão dispostos a considerar e aceitar.
— Alessander Raker Stehling
Comments