Mãe, uma palavra que carrega o peso de gerações, memórias e laços sagrados. É impossível falar de mãe sem evocar imagens de acolhimento e amor, sem reconhecer a importância de quem nos dá a vida e nos guia em nossos primeiros passos. Essa figura, à qual Freud, Winnicott, Bowlby, Piaget, Klein e tantos outros dedicaram seus estudos, é aquela que, através do seu exemplo, apresenta o mundo à criança: sua presença é o alicerce que protege, nutre e orienta. A mãe constrói, no olhar, no toque, no cuidado, o primeiro e mais profundo conceito de amor. A cada sorriso e abraço, ela planta no coração do filho as sementes da confiança e do valor próprio. No melhor dos mundos, ela deseja vê-lo feliz e respeitado, seguro de quem é e pronto para enfrentar o mundo.
Contudo, não podemos nos limitar a uma visão idealizada — comum, inclusive. Existe outro tipo de mãe, sobre o qual poucos falam e que Nietzsche tão profundamente analisou. Nem todas as mães desejam a felicidade e a independência do filho; algumas precisam dele infeliz, dependente, para dar sentido à própria existência. Essa é a mãe “bondosa” que Nietzsche descreve, mas não uma bondade pura e generosa. Sua bondade se nutre de sacrifício, de renúncia — uma renúncia que exige do filho a incapacidade, a imaturidade, a infelicidade, para que ela possa se sentir realizada, mesmo que de forma inconsciente. E, assim, o filho não é tanto um ser autônomo, mas uma extensão do próprio sentido de vida da mãe.
Essa mãe, que não sabe viver sem o papel de cuidadora, encontra sua realização quando o filho permanece em dificuldade, precisando de apoio, frágil e, até mesmo, infeliz. Em sua forma de ver o mundo, a bondade e o amor dessa mãe exigem que o filho precise constantemente ser salvo e guiado. Quanto mais ela sacrifica, mais reafirma seu valor; quanto mais o filho depende, mais ela encontra seu sentido. O filho torna-se, assim, uma extensão dela, uma muleta, onde, sem ele, essa mãe não consegue se reconhecer e nem se mover no mundo — a vida dela depende do sacrifício dele. E, caso esse filho decida se emancipar e ser feliz por conta própria, essa mãe entrará em um desespero profundo, tentará impedi-lo, diminuí-lo ou confundi-lo, para que ele não se distancie muito, não corte o cordão umbilical.
Essa face trágica do “amor” materno é um misto de amor e egoísmo (mais egoísmo que amor, na verdade), de cuidado e posse. Ela nos alerta sobre a complexidade das relações humanas: aquilo que, na superfície, parece “bondade” pode, em profundidade, carregar motivações obscuras. Como Nietzsche nos mostra, é preciso coragem para enxergar essa realidade, para perceber que nem todo amor que nutre realmente liberta, que nem toda bondade está isenta de interesses.
Ainda assim, o amor verdadeiro também existe. Aquela mãe que, em sua essência, deseja ver o filho feliz e respeitado, que se alegra ao vê-lo caminhar com as próprias pernas, é a mãe que nos lembra que o amor verdadeiro busca a autonomia do outro, mesmo que isso signifique renunciar ao próprio papel de salvadora. Em seu olhar, a liberdade do filho é sua maior conquista.
Assim, reconheçamos a força e a beleza das mães — mas também a complexidade do amor humano, onde tragédia e amor se misturam, desafiando-nos a buscar um amor que, em vez de prender, ensina a voar.
— Alessander Raker Stehling
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