"Alê, ontem foi punk!", disse-me Daniela. "Punk por quê, Dani?", questionei. "Foi muito duro ouvir da minha mãe que ela tentou me abortar de diversas formas. Não consegui dormir, perdi as forças e fiquei de cama até quase agora, antes de você aparecer", falou a Dani e continuou, com lágrimas nos olhos: "isso explica muitas coisas, sabe, as minhas tentativas de suicídio quando eu era bem pequena, minha dificuldade em me olhar no espelho e me sentir bonita, minha depressão.... Sinto que sou uma fracassada, que não sou boa o suficiente e não mereço viver." Fiquei sem palavras naquele instante e apenas disse: "Poxa, Dani, sinto muito por isso, imagino a sua dor. Sei que não existem palavras para descrever o que você está sentindo." Ela, sem dizer uma única palavra, apenas me abraçou e chorou como eu nunca havia visto antes. Tudo o que ela disse tocou profundamente em mim.
Saí de lá naquele dia refletindo sobre os motivos que nos fazem querer viver. Fiquei pensando nessa força interna que nos impulsiona a seguir em frente, a enfrentar desafios, sonhar, realizar coisas e buscar a felicidade. Noto que não apenas na Dani, mas também em outros amigos essa "vontade de viver" oscila bastante. Ora querem realizar muitas coisas, ora querem sumir e nunca terem existido. Mas, afinal, de onde essa vontade vem? Será que é algo que se conquista ao longo da vida ou algo que já está presente desde o início?
Ouvi através de alguns psicólogos e estudiosos que a vontade de viver tem ligações profundas com nossas experiências iniciais. Dizem que ela depende de como fomos acolhidos no mundo e, em grande parte, da alegria de viver que os nossos pais e cuidadores demonstraram no ambiente em que crescemos. Parece que, desde o momento em que nascemos, começamos a construir essa sensação de pertencimento e acolhimento no mundo que nos cerca. Sinto que a Dani colocou na cabeça — mesmo sem querer — que não tem o direito de ser feliz e realizar coisas, é como se ela não fosse bem-vinda no mundo.
Creio que no caso da Dani, a falta de acolhimento desde o início, combinada com a revelação chocante de que sua própria mãe tentou abortá-la de todo jeito — nem consigo pensar nisso —, lançou uma penumbra obscura sobre sua vontade de viver. É... não dá para imaginar a dor e o sofrimento que ela carrega há tanto tempo.
Hum... será possível recuperar, ou, sei lá, construir essa vontade de viver na Dani e noutras pessoas? Eu não sei, pois não estou dentro da pele delas, sentindo o que elas sentem; chego à conclusão de que não há uma resposta fácil para isso. De toda forma, quero que ela sinta que é bem-vinda neste mundo, que é especial para mim e, não só para mim, mas para inúmeras outras pessoas que se preocupam com ela. Farei o melhor que eu puder para que a Dani aproveite ao máximo a sua vida.
Fico pensando: não se sentir bem-vindo, ou parte da humanidade, deve ser um dos piores traumas que alguém pode carregar — me dá calafrios só de imaginar isso.
— Alessander Raker Stehling ☑ Aprenda Psicanálise de forma Simples e Fácil. Clique no link e conheça o nosso curso ➜ https://www.psicanalisefacil.com.br/curso-psicanalise-facil
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