Imagine-se morando em uma grande casa, com uma assistente do lar para ajudar nas tarefas diárias. Um dia, você entra no quarto dela e flagra uma cena que lhe provoca um imediato asco: o cachorrinho dela lambendo o copo que ela usa para beber água. “Que nojo, que merda é essa que tá acontecendo aqui?”, talvez você pensasse ou até falasse, sentindo a repulsa subir pelo corpo. O próximo passo seria contar a ela o que viu, descarregar a indignação e se livrar daquele mal-estar.
Agora, voltemos no tempo. Entre 1881 e 1883, essa cena realmente aconteceu, mas o desfecho foi bem diferente. Bertha Pappenheim, que mais tarde ficou conhecida como "Anna O." — a paciente que marcou o início da psicanálise — também se deparou com algo parecido. No entanto, a Bertha da época não era como você, pronta para desabafar o desconforto. Ela havia perdido o pai recentemente, tinha uma relação complicada com a mãe e vivia numa sociedade repressiva, a rígida era vitoriana. As mulheres, coitadas, eram obrigadas a engolir emoções e desejos. E foi exatamente isso que Bertha fez: abafou seu espanto, repulsa e todas as emoções que aquela cena provocou.
O resultado? Um sintoma curioso e incapacitante. Por semanas, Bertha, apesar de sentir sede, não conseguia beber água em copos. A simples visão de um copo ativava a memória nojenta do que havia testemunhado. Para sobreviver, só conseguia saciar a sede com frutas, enquanto seu corpo clamava por água. A situação ficou crítica até que o doutor Breuer, colaborador de Freud, a hipnotizou e perguntou o motivo de não beber água. Sob hipnose, Bertha finalmente liberou o que estava preso. Ela contou tudo e, mais importante, “soltou os cachorros”, digo, as emoções que havia reprimido. E, adivinhe? Logo após o desabafo, conseguiu beber água normalmente. O sintoma nunca mais voltou.
A grande lição aqui é que sufocar emoções e “engolir sapo” tem um preço alto. Reprimir constantemente o que sentimos pode trazer sérias consequências físicas e emocionais. Quem se cala diante de situações que ferem, frustram ou incomodam pode acabar sofrendo muito mais a longo prazo, desenvolvendo doenças psicossomáticas que vão desde dores de cabeça até, em casos extremos, o câncer. O preço do silêncio e da negação do desejo é alto.
Agora, você pode me dizer: “Alê, se eu for falar tudo o que penso ou sinto, tô ferrado(a)! Vou acabar brigando com todo mundo, ou preso(a).” E eu te entendo. Um nível de repressão é necessário para que possamos viver em sociedade. Mas isso não muda o fato de que, quando renunciamos sempre, estamos causando mal a nós mesmos. Muitos encontram válvulas de escape para essas tensões internas: conversam com amigos, fazem terapia, escrevem, gravam vídeos, descontam na academia. O importante é não deixar acumular a ponto de explodir.
Freud observou que pessoas altamente reprimidas, aquelas que vivem “engolindo sapo”, muitas vezes vistas como “quietinhas” ou “santinhas”, acabam por se tornar verdadeiras bombas-relógio emocionais. Elas carregam consigo uma pressão interna que pode explodir em reações extremas ou até mesmo desenvolverem doenças sérias.
Como disse Lacan: “a única coisa da qual se pode ser culpado é de ter cedido de seu desejo.” Esse “ceder” não significa apenas renunciar aos próprios sonhos, mas também desistir de expressar o que sentimos. Nessa busca por agradar demais ou evitar conflitos, muitas vezes nos tornamos estranhos a nós mesmos, desconectados do que realmente somos e do que nosso corpo quer dizer. Que possamos, então, fazer as pazes com nossos desejos e liberar o que sentimos, antes que nosso silêncio se transforme em doenças e nosso corpo nos obrigue a encarar aquilo que insistimos ignorar.
— Alessander Raker Stehling
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