“O que é o homem, sempre se queixando de si mesmo!” Essa é uma das frases de Werther, personagem do icônico romance de Goethe, Os Sofrimentos do Jovem Werther. Ele diz isso numa carta a um amigo e prossegue: “… prometo a você, não quero mais ficar degustando os males que nos reserva o destino, como sempre fiz; quero gozar o presente, e o passado permanecerá para mim o passado.” Aqui, Goethe nos revela algo profundo: a vida, com todas as suas contradições e dores, é um convite à celebração do presente, à aceitação plena do que somos.
Ao longo de nossa existência, encontramos inúmeras formas de encarar a vida. A tradição cristã, por exemplo, fala sobre pecado, redenção e a promessa de uma vida eterna ao lado de Deus, enquanto o evolucionismo nos convida a ver a vida como um processo de adaptação e sobrevivência — cada ser humano como um elo numa longa cadeia de transformação. Já os filósofos antigos, como os estoicos, falavam da aceitação serena do destino, enquanto os existencialistas do século XX nos desafiam a criar nosso próprio sentido no vazio do universo.
Claro, existem centenas de religiões, filosofias e modos de olhar para a existência. Para quem, como eu, gosta de refletir sobre temas profundos, essas visões são fascinantes. Já explorei alguns desses caminhos, mas a forma mais bela que encontrei de olhar para a existência foi a de Goethe.
Goethe, esse gênio ímpar, possuía uma maneira de ver o mundo que era tão grandiosa quanto sua própria vida. Ele não era apenas um poeta, dramaturgo ou cientista; era um homem que fez de sua própria existência uma obra de arte. Foi ele quem inspirou Nietzsche a perceber que o verdadeiro filósofo não é aquele que se isola nas torres de marfim, mas quem mergulha na vida com coragem e paixão, abraçando suas contradições e imperfeições. Nietzsche via em Goethe o último grande “espírito livre”, alguém que compreendeu que a vida não deve ser vista como uma equação a ser resolvida, mas como uma sinfonia inacabada.
Enquanto muitos teóricos buscavam respostas definitivas — Kant, Descartes, Hegel —, Goethe estava mais interessado nas perguntas que surgem quando abraçamos o mistério do existir. Ele via a vida como uma eterna obra em construção, onde cada momento é um novo traço, onde cada experiência, cada alegria, cada tristeza é mais uma pincelada numa tela que jamais estará finalizada. A beleza da vida, segundo Goethe, está justamente nessa impermanência — onde tudo é novidade —, nesse movimento constante de criação e recriação, onde nunca há um ponto final definitivo entre o que somos e o que ainda poderemos ser.
Goethe não viveu para teorizar — ele viveu para experimentar. Amou intensamente, errou, aprendeu, dedicou-se à ciência e à arte e, sobretudo, soube reconhecer a beleza do agora, sem a pressa de encontrar um fim para o seu processo. Influenciou grandes pensadores e artistas: Schopenhauer, Dostoiévski, Freud, Jung, Thomas Mann… passando por Nietzsche, que viu nele um exemplo de alguém que soube dizer “sim” à vida. A visão goethiana nos ensina que, ao invés de tentarmos entender a vida a partir de dogmas ou teorias rígidas, podemos aprender a vivê-la como uma arte: livre, fluida, em constante transformação.
Como um pintor diante de uma tela, cada um de nós carrega o pincel da própria existência. Podemos reclamar das imperfeições, das sombras e dos traços tortuosos que às vezes nos escapam das mãos, ou podemos, como Goethe, aceitar a vida como ela é — uma obra que nunca estará concluída, mas que, justamente por isso, nunca perderá sua capacidade de nos surpreender e encantar.
A vida, afinal, não é algo a ser solucionado, mas a ser vivido. E que privilégio é poder, a cada dia, escolher as cores que daremos à nossa história, sabendo que, mesmo sendo pequenos diante da vastidão do cosmos, deixamos nele uma marca única. Cada momento vivido, cada escolha feita, é um traço que se integra à história infinita do universo — um toque de cor que, por menor que seja, permanecerá para sempre na grande e contínua obra da existência.
— Alessander Raker Stehling
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