Marcelo cresceu em um lar onde nenhum de nós gostaria de ter estado. Era uma bagunça surreal: móveis fora do lugar, pratos empilhados de ontem e de anteontem, e gente sempre gritando. A mãe, Denise, vivia com as sobrancelhas curvadas, com “cara de bicho”, resmungando de um cansaço que nunca diminuía. Quando ele, ainda bem pequeno, se aproximava, tentando obter um pouco de afeto — um colo, quem sabe um abraço apertado ou uma palavra de carinho — ela só olhava para ele e dizia: “Não enche, menino, vai brincar e me deixa em paz! Não vê que estou cheia de coisas pra fazer?”
As palavras de rejeição penetravam em sua alma, ferindo-o dia após dia. A cada tentativa frustrada ele ia desistindo de si, acreditando ter algo de errado.
O pai, Bento, era ainda pior. Carregava no rosto uma expressão fria e distante. Andava sempre com as mãos fechadas e, quando percebia que Marcelo estava triste, dizia suas costumeiras palavras de “consolo”: “Homem de verdade não chora, Marcelo. Engole o choro e para de frescura.”
Imagina-se crescer em um ambiente assim? Sem carinho, atenção, amparo emocional, acolhimento e amor. Nesse lugar, Marcelo aprendeu a guardar tudo o que sentia por medo; suas lágrimas de toda uma vida estavam represadas, como em uma barragem pronta a desmoronar.
Anos depois, já adulto, ele carregava uma carência enorme, uma ânsia de ser amado que parecia nunca saciar. Buscou consolo nos braços das mulheres que passavam por sua vida, mas, sem perceber, atraía aquelas que eram quase cópias da mãe — frias, rudes e manipuladoras. Mas ele também tinha suas defesas: fingia estar tudo bem, se fazia de forte para todos e não se deixava ver vulnerável — afinal, não foi isso que ele aprendeu com seu pai? Nas brigas, quando tudo saía do controle, ele se esforçava para fazer as pazes, ao mesmo tempo em que não deixava escorrer uma lágrima sequer. A cada término ele se isolava mais, seu passatempo passou a ser deitar e dormir, já que nenhuma relação parecia dar certo mesmo.
Apesar de se esforçar dando presentes e agrados, suas relações com as mulheres nunca deram certo. Quando ele encontrava uma moça fora do padrão de sua infância, alguém de quem ele começava a gostar de verdade, algo dentro dele sabotava tudo. Sem querer acabava despejando seu turbilhão de emoções na pessoa, que fugia dele como o “diabo foge da cruz”. Seu interior era realmente muito caótico; afinal, não foi essa a experiência que teve durante toda a vida?
Marcelo continuou nessa luta inglória, dia após dia, até que, numa noite em que o silêncio era insuportável, ele se sentou no chão do quarto escuro. Pela primeira vez, sentiu o profundo gosto amargo da solidão que não pôde ignorar. E ali, finalmente, se deu conta de que nunca fora feliz, que viveu negando sua dor e tristeza. Era um vazio infinito, tão pesado, fruto de uma vida inteira tentando provar a si e aos outros que não sentia nada, que era forte e inabalável.
E naquele silêncio, sem mais ninguém para lhe ouvir, ele se deu conta de que já não tinha forças para lutar. A vida que teve — se é que podemos chamar isso de vida — lhe cobrava o preço de cada lágrima que ele se recusou a derramar. E, em meio ao silêncio, ele desejou nunca ter existido, dizendo para si, em prantos: “Se ao menos eu pudesse desaparecer… talvez assim, finalmente, essa dor também sumisse.”
— Alessander Raker Stehling
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