Imagine-se em um dia super estressante. Você sai de casa cedo, pega um ônibus lotado e, ao chegar ao trabalho, percebe que “os portões do inferno foram escancarados”. Uma pilha de tarefas está amontoada em sua mesa, o chefe, super estressado, cobra o impossível, e seus colegas, também sobrecarregados, despejam em você suas frustrações. O dia se arrasta entre cobranças, barulho e uma sensação de que sua paciência está por um fio. No final do expediente, exausto e com a cabeça latejando, você só consegue pensar: “Queria sumir!”.
Ao chegar em casa, com os ombros encurvados, passos pesados e cara de poucos amigos — já se preparando para encontrar mais do mesmo: reclamações, julgamentos, cobranças —, você é surpreendido. Seu companheiro(a) te recebe com um sorriso no rosto e um olhar caloroso de acolhimento:
— Boa noite, amor. Seu dia parece ter sido difícil. Quer conversar? Estou aqui para te ouvir.
Você, que já estava armado até os dentes, pronto para “soltar os cachorros”, desarma-se completamente. Como se um peso de cinco toneladas fosse tirado das suas costas, você abraça seu cônjuge, sente os olhos se encherem de lágrimas e, com a voz embargada, diz:
— Me desculpe por estar assim. Meu dia foi uma merda...
E assim, as horas passam enquanto você despeja todas as suas frustrações, detalha tintim por tintim, como há muito tempo não fazia. E o mais incrível? Seu parceiro(a) continua ali, firme e forte, ouvindo suas lamentações com paciência, sem pressa, sem te interromper, sem julgamentos ou conselhos desnecessários. Apenas presente, te ouvindo.
Como não amar alguém assim?
Ser ouvido é um dos gestos mais simples e, ao mesmo tempo, mais poderosos que alguém pode nos oferecer. Quando alguém realmente nos ouve — com atenção, sem pressa, sem interrupções —, é como se estivéssemos dizendo ao mundo: “Eu existo, eu importo.” É um tipo de cuidado que não se compra, não se finge, não se força. Ele nasce da conexão genuína, do interesse real pelo outro.
E é curioso como isso funciona: a mágica de ser ouvido não está só no alívio que sentimos ao desabafar. Está também na sensação de que nossa história, por mais banal ou dolorosa que pareça, encontrou um lar no coração de outra pessoa. É nesse espaço de escuta que as conexões humanas mais profundas se formam. Porque, ao ouvir, reconhecemos a existência do outro em sua totalidade — suas dores, suas alegrias, suas dúvidas e até seus silêncios.
Ouvir é um ato de amor porque exige entrega. Quem ouve de verdade precisa abrir mão de si por alguns instantes. É necessário pausar os próprios pensamentos, segurar aquela vontade de falar sobre si mesmo e mergulhar no universo da outra pessoa. É sair do “eu” para entrar no “nós”. E esse movimento cria algo extraordinário: fortalece laços, dissolve ressentimentos e constrói uma intimidade que nenhuma palavra bonita ou gesto grandioso pode alcançar.
Pense nos momentos em que você se sentiu verdadeiramente ouvido. O quanto isso te marcou? Provavelmente, não foi a solução para todos os seus problemas. Mas aquela sensação de acolhimento, de pertencimento, de ser aceito mesmo nos seus momentos mais frágeis — isso fica. Isso marca. Isso transforma.
Por outro lado, é impossível amar alguém que não sabe ouvir. Aquele que constantemente nos interrompe, desvia o olhar, julga ou tenta consertar nossos problemas sem sequer entender o que sentimos cria uma barreira. Não há conexão onde não há espaço para o outro ser.
Ouvir é mais do que uma habilidade social. É a base do amor. Quem ouve, ama. Quem ama, ouve. E nesse ciclo, fortalecemos o que há de mais precioso entre nós: a capacidade de estar junto, de cuidar, de crescer em parceria.
Agora, te pergunto: será que você tem ouvido as pessoas que ama? E, não menos importante, será que você tem permitido que elas te ouçam?
— Alessander Raker Stehling
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