“Papai, papai, a tia da escola mandou te entregar.”
“Ah, minha Julinha, é o seu boletim. Deixa eu ver suas notas... Hum... 9,5... 10... 8? Como assim, Julinha? 8?”
“Mas papai...”
“Mas nada, você não faz nada além de estudar! Sua obrigação é tirar 10. Inclusive, está de castigo por causa dessa nota 8 aqui. Que vergonha, filha, papai está muito triste, viu?”
E aí, a pequena Julinha, que até então estava feliz e orgulhosa, sente uma coisa estranha no peito. Um peso, uma tristeza misturada com medo. Esse sentimento será reforçado a cada cobrança, a cada olhar de reprovação. E o que ela aprenderá com o tempo? Talvez algo assim: “Eu só mereço o amor do papai se for perfeita. Se eu falhar, ele não vai mais me amar.”
Essa sensação é a base do sentimento de culpa. Freud explicou que ela nasce de um conflito interno, onde o Ego tenta satisfazer desejos e se adaptar à realidade, enquanto o Superego funciona como um juiz implacável, ditando regras baseadas nas críticas e expectativas dos outros. No caso de Julinha, o Superego está sempre pronto a apontar: “Você errou. Você falhou. Que vergonha de você!” Essa voz não surge do nada. Ela é formada por repetidos reforços que vêm da infância — dos pais, da escola, das regras sociais. E quanto mais severas as críticas, mais cruel será a voz interior.
Com o tempo, essa lógica distorcida de “amor condicional” se solidifica. Desde cedo, as crianças precisam sentir-se amadas para sobreviver e crescer. Quando esse amor é condicionado a comportamentos perfeitos, como tirar a nota máxima, elas começam a acreditar que sua validade enquanto pessoa está ligada ao cumprimento de expectativas impossíveis. Elas internalizam essas regras, tentando agradar, mas falhando inevitavelmente. A cada falha, a culpa pesa, como se houvesse algo de fundamentalmente errado nelas.
Na vida adulta, as consequências podem ser devastadoras. Muitas vezes, pessoas como Julinha crescem aceitando relações abusivas, buscando de forma inconsciente a aprovação que nunca sentiram plenamente na infância. Outras desenvolvem uma autoestima tão fragilizada que acabam se anulando, vivendo para cuidar das necessidades dos outros enquanto ignoram as próprias. Tornam-se perfeccionistas, incapazes de lidar com erros, ou entram em ciclos de autossabotagem, reforçando a ideia de que não merecem amor ou sucesso.
Romper esse ciclo é difícil, mas possível. O primeiro passo é entender que a culpa, muitas vezes, não é justa. Ela é uma herança de expectativas irreais que nos foram impostas. Aquele “castigo” por tirar 8 pode ter parecido pequeno, mas seus efeitos são profundos. No entanto, reconhecer isso traz uma possibilidade de cura. Aceitar que errar faz parte de ser humano é libertador. Não precisamos ser perfeitos para sermos dignos de amor, seja o dos outros ou o próprio.
Porque, no final das contas, não é a culpa que nos faz crescer, mas a capacidade de nos aceitarmos, aprendermos com nossos erros e nos tratarmos com compaixão. A boa notícia é que não precisamos enfrentar esse processo sozinhos. A terapia pode ser uma aliada poderosa para romper com essas vozes internas severas, ressignificar os padrões do passado e construir uma relação mais saudável com nós mesmos.
Julinha talvez nunca ouça isso do pai, mas você pode começar hoje. Permita-se essa jornada de autocuidado e transformação. Afinal, você não precisa ser perfeito para merecer amor.
— Alessander Raker Stehling
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