Em Atos 20:35, encontramos uma afirmação que nos deixa pensativos: “Há maior felicidade em dar do que em receber.” No entanto, quando olhamos para a sociedade, vemos que a maioria das pessoas está constantemente empenhada em ganhar e receber o máximo possível. O comerciante tenta extrair o maior lucro do comprador, o cliente procura pagar o menor preço possível, o patrão busca reduzir custos enquanto exige o máximo de seus empregados. Isso se reflete também nas relações amorosas, onde frequentemente homens e mulheres esperam obter o máximo de vantagens com o menor esforço.
Essa realidade nos leva a questionar: O que realmente significa “dar”? O dicionário Oxford define “dar” como oferecer algo sem esperar nada em troca. Mas será que isso é possível? Vivemos numa cultura que ensina que tudo é troca — uma transação. O amor, visto sob essa ótica, se torna uma mercadoria. Dar algo sem esperar retorno parece uma ideia absurda, quase uma “burrice” num mundo que valoriza o lucro e a vantagem.
Algumas pessoas poderiam argumentar a partir de um ponto de vista cristão, mencionando que Jesus deu a própria vida por amor. Mas essa visão, muitas vezes, interpreta “dar” como sinônimo de sacrifício — uma renúncia completa de si em favor do outro. O problema é que essa interpretação tende a ignorar a ideia de equilíbrio. Jesus também disse que deveríamos amar o próximo como a nós mesmos, sugerindo que o amor não é um ato de autossacrifício que nos esgota, mas algo que envolve cuidar de si enquanto cuidamos do outro.
O verdadeiro dar, como aponta Erich Fromm, não é um ato de empobrecimento, mas sim de expressão da nossa própria abundância. Aqui podemos trazer a filosofia de Espinosa, que define a alegria como um aumento da nossa potência, da nossa capacidade de agir e existir. Espinosa entende que a alegria não surge de um vazio, mas de um estado de crescimento, expansão e vitalidade. Assim, quando damos, não é porque estamos nos esvaziando, mas porque estamos transbordando.
Dar, nesse sentido, é a expressão mais alta de uma vida abundante. Quando dou, estou manifestando minha força, minha riqueza interna, minha capacidade de amar sem estar condicionado ao retorno. Isso não me torna mais pobre, mas mais rico, pois a alegria que sinto ao dar não vem da carência, mas da experiência de estar pleno, cheio de vida, abundante. É uma alegria que nasce da constatação de que tenho tanto, que posso compartilhar sem me sentir diminuído.
O problema do nosso tempo é que muitas pessoas se lançam ao mundo em busca do que falta dentro delas. Estão sempre tentando preencher o vazio através do que conseguem receber dos outros. Vivemos numa sociedade que nos condiciona a focar no externo, a buscar aprovação, reconhecimento e tudo o que necessitamos fora de nós mesmos. A sociedade não nos incentiva o autodesenvolvimento, a autonomia, o desabrochar das nossas potencialidades, ela nos mantém sempre infantilizados e fracos — para efeitos de dominação isso é uma maravilha, mas falaremos sobre isso em outro texto.
No entanto, o amor verdadeiro brota de um ser que já se sente completo, de alguém que se nutriu do que é essencial e se tornou forte. Quando entendemos isso, percebemos que o ato de dar é o resultado natural de um estado interno de abundância. Por isso, o foco deveria estar em primeiro nos tornarmos abundantes, plenos de vida e vitalidade, para depois darmos. Não se trata de sacrifício, mas de compartilhar aquilo que já temos em excesso — alegria, cuidado, compreensão, presença.
O amor, portanto, não é uma troca mercantil, nem um sacrifício que nos esvazia. Ele é, antes de tudo, a expressão mais pura de nossa potência, da nossa capacidade de afirmar a vida e compartilhar o que há de mais belo e valioso em nós.
— Alessander Raker Stehling
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