“Me conte o seu sonho angustiante” — foi o que meu analista pediu, com aquela calma que só quem já ouviu todo tipo de absurdo consegue manter. Eu, meio cético e achando que esse papo de sonhos era coisa de charlatanismo barato, acabei contando um dos meus pesadelos mais perturbadores. A surpresa veio depois: ele não me disse o que significava, mas perguntou, repetidamente, o que cada elemento representava para mim. No final, quem deu sentido ao sonho fui eu. Nada daquela interpretação pronta e clichê que vemos por aí, do tipo “sonhar com dente é morte” ou “cair é perda de controle”. Saí de lá mais intrigado do que entrei — e, de quebra, consegui entender algumas arestas do meu relacionamento complicado com minha falecida mãe.
Mas afinal, por que toda essa importância aos sonhos na psicoterapia? Freud dizia que eles são a “via régia para o conhecimento do inconsciente”, e isso faz muito sentido. Quando estamos acordados, nossa mente faz um esforço tremendo para nos manter funcionais e vivos. Pensamentos triviais — o que vou comer no almoço, a tarefa que ficou pendente no trabalho, a mensagem não respondida no WhatsApp — ocupam nossa consciência, enquanto aquilo que realmente nos incomoda, que tira nosso sono e desperta nossos medos, fica ali, trancado no porão da mente. Traumas de infância, culpas enterradas, dores inconfessáveis: tudo o que possa bagunçar nossa rotina e atrapalhar a vida prática é jogado para fora da consciência.
O problema é que esses conteúdos não desaparecem. Só porque empurramos algo para o fundo da mente, isso não significa que deixou de existir. Muito pelo contrário: o que é recalcado, aquilo que é banido da luz da consciência, segue influenciando nossa vida sem que percebamos. Imagina só — é como estar num barco tentando remar para o norte, enquanto uma correnteza subterrânea invisível te empurra para o sul. Você não a vê, mas sente os efeitos dela todos os dias, nas suas escolhas, nos seus medos inexplicáveis, nos seus erros repetidos.
Quando dormimos, no entanto, a vigília relaxa um pouco e a fronteira entre o consciente e o inconsciente fica menos rígida. É como se abríssemos uma brecha no muro, mas não muito — porque, se o que está escondido lá embaixo subisse de uma vez, acordaríamos assustados. Então, o inconsciente usa de um truque para não nos despertar: disfarça suas mensagens. Aí vêm os sonhos, aquelas cenas aparentemente absurdas e sem sentido, em que coisas esquisitas acontecem — você se vê voando com um chapéu de melancia enquanto tenta falar com um cachorro que, de repente, vira seu pai. Confuso, né? Essa é exatamente a ideia: os sonhos são disfarces, metáforas, formas simbólicas de conteúdos nossos, que só podem aparecer assim, por alusão, pois de outra forma, acordaríamos.
E é por isso que Freud valorizava tanto os sonhos. A história que contamos para os terapeutas — a nossa versão oficial dos fatos — é apenas a ponta do iceberg. A verdadeira narrativa da nossa vida, aquela que realmente importa, fica nas entrelinhas, oculta devido aos nossos mecanismos de defesa psíquicos, que usamos para evitar o sofrimento e o desprazer. Sonhos vêm para preencher as lacunas, trazendo à tona partes de nós que, de outra forma, ficariam enterradas. É como corrigir um livro mal editado, reescrevendo os capítulos que faltam.
Às vezes, ao interpretar um sonho, você percebe que a sua história não era exatamente como lembrava — ela se transforma, se amplia, e algumas peças finalmente fazem sentido. Não é mágica, não é misticismo. É só o nosso inconsciente nos contando, do jeito que consegue, as partes da história que fomos forçados a esquecer.
Então, da próxima vez que seu terapeuta pedir para você contar aquele sonho esquisito em que estava fugindo de um rinoceronte de muleta ou sendo perseguido por uma torradeira falante — respire fundo e conte. Vai que, no fim das contas, o rinoceronte é o chefe teimoso do trabalho e a torradeira é a sua ansiedade pelo café da manhã?! A resposta, eu realmente não sei, e nem seu terapeuta sabe, mas você sabe, mesmo que ainda não tenha percebido. Afinal, o verdadeiro intérprete dos seus sonhos é você — e só você pode descobrir o que o seu inconsciente está tentando dizer, por mais maluco que pareça!
— Alessander Raker Stehling
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