“O sonho representa a realização de um desejo.” Foi essa a ousada afirmação que Freud apresentou ao mundo em 1900, no icônico A Interpretação dos Sonhos.
Ele acreditava que todo sonho revelava um desejo — consciente ou inconsciente — oculto sob camadas de simbolismos, deslocamentos e condensações. Era como um enigma que pedia para ser decifrado. Essa teoria funcionava bem em muitos casos, até que os horrores da guerra vieram desafiar seus alicerces.
Com a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), Freud passou a atender inúmeros soldados que retornavam do conflito carregando não só feridas físicas, mas também marcas profundas em suas mentes. Muitos desses combatentes relatavam sonhos aterrorizantes: cenas de explosões, gritos, mortes brutais. Muitos evitavam dormir, aterrorizados pela perspectiva de reviver tudo novamente em suas mentes.
Esses pesadelos não pareciam se encaixar na ideia de desejo inconsciente. Qual desejo poderia haver em reviver o horror, a morte e o sofrimento? Freud, um homem de mente inquieta e aberta a revisões, começou a questionar suas próprias ideias. E foi em 1920, no livro Além do Princípio do Prazer, que ele ousou propor uma nova explicação: a pulsão de morte.
Embora a pulsão de morte seja uma teoria intrigante que dividiu opiniões, hoje sabemos, à luz da ciência moderna, que esses sonhos aterrorizantes têm uma explicação ainda mais concreta: o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT).
Quando passamos por eventos traumáticos, como os horrores da guerra, o cérebro enfrenta uma sobrecarga imensa. Ele tenta processar a experiência, mas, muitas vezes, falha em organizar o que aconteceu. E é aí que os sonhos — ou melhor, as cenas de terror — entram em cena. O trauma divide nossa experiência de maneira quase literal. O sistema límbico, responsável pelas emoções (principalmente a amígdala), é ativado de forma extrema, enquanto o córtex pré-frontal, que regula o pensamento lógico e a tomada de decisões, praticamente “desliga”. Essa desconexão impede o cérebro de dar um sentido coerente ao que aconteceu. O trauma fica “preso”, não como uma lembrança organizada, mas como fragmentos soltos: imagens, sons, cheiros e sensações que continuam a nos assombrar.
Os pesadelos traumáticos são uma tentativa do cérebro de lidar com esse material não processado. É como se ele repetisse a experiência na esperança de dar-lhe um sentido — de finalmente arquivá-la no lugar certo. Porém, em vez de trazer alívio, a repetição reforça a sensação de ameaça, como se o perigo ainda estivesse presente.
Os sonhos recorrentes desses soldados refletem a luta do cérebro para integrar algo que parece impossível de integrar. A experiência foi tão devastadora, tão fora da normalidade, que o cérebro simplesmente não consegue classificá-la como “passado”. É por isso que os pesadelos se repetem — são um reflexo dessa busca incessante por significado e segurança.
Hoje o tratamento do TEPT combina abordagens que ajudam a reorganizar as memórias traumáticas. Terapias como a EMDR e a TCC oferecem ferramentas para reprocessar essas memórias fragmentadas, ajudando o cérebro a entender que o perigo já passou.
Freud, sempre visionário, percebeu que havia algo além do prazer nos sonhos dos soldados traumatizados. Ele não respondeu tudo, mas seu esforço para compreender esses fenômenos abriu portas para o que hoje entendemos sobre o trauma e seus efeitos no sono. Os pesadelos desses combatentes nos lembram da força — e também da fragilidade — da psique humana. Eles mostram que o trauma pode cindir nossa experiência, mas também que o cérebro nunca desiste de buscar sentido, de reconstruir o que foi quebrado.
Talvez, no final, Freud não estivesse tão longe assim. Porque, se olharmos com atenção, até mesmo os sonhos mais aterrorizantes expressam um desejo profundo: o desejo de cura.
— Alessander Raker Stehling
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![“Os sonhos que ocorrem nas neuroses traumáticas são as únicas exceções autênticas [...] à regra de que os sonhos envolvem a realização de desejos.” Frase Freud](https://static.wixstatic.com/media/398490_4a00a72e93c44cce948cc8a3113e473f~mv2.jpg/v1/fill/w_980,h_1225,al_c,q_85,usm_0.66_1.00_0.01,enc_avif,quality_auto/398490_4a00a72e93c44cce948cc8a3113e473f~mv2.jpg)
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