“Matheus é um grosso, estúpido”, disse-me Valéria, sua namorada, por telefone. Sou amigo dos dois e sei que Matheus tem um pavio curto, mas o tom de voz de Valéria me assustou; ela estava realmente magoada. Tentei saber mais sobre o que havia ocorrido, mas ela me disse: “Outra hora a gente conversa. Estou chateada, com a cabeça quente, e não quero descontar em você. Boa noite.” Nos despedimos, e fui logo ligando para Matheus.
— Cara, o que rolou entre você e a Valéria? Ela está muito brava contigo, nunca a vi assim.
— Ela é que é sensível demais, só falei umas verdades na cara e ela não gostou — disse ele, suspirando logo em seguida. Continuou: — É, não tem jeito, toda mulher que conheço é melindrosa. Pedem que eu seja honesto e verdadeiro, e quando sou, elas apelam e ficam de mimimi. Pra pqp!
Conversamos por um bom tempo, e fiquei pensando no que Matheus disse.
Se ele estiver realmente certo no que afirma, então só posso supor que todas as mulheres que passaram pela vida dele, e vários amigos também, estão errados. Não é a primeira vez que ouço que Matheus é grosso e estúpido ao expor suas opiniões. Ele se defende, afirmando que é “franco” e fala “na cara”, mas esse “falar na cara” me parece mais rude e indelicado do que qualquer outra coisa.
Resolvi dar um toque nele — algo que já havia pensado algumas vezes, mas sempre acabava deixando pra lá. Sabe quando você percebe que alguém precisa dar uma “olhada no espelho”? Pois é, lá estava eu, “espelho na mão”, e o Matheus do outro lado da linha.
— Cara, você já parou pra pensar que, talvez, o problema não seja exatamente “a verdade” que você fala, mas o jeito como você fala? — perguntei, direto, mas com um tom leve. Sabia que ele era resistente a qualquer crítica, mas resolvi arriscar.
— Ah, lá vem você também! É isso mesmo? Agora até você também tá cheio de frescura? Parece que o mundo não aguenta um cara sincero hoje em dia! — retrucou, visivelmente incomodado.
Respirei fundo antes de continuar. — Olha, Matheus, eu entendo que você queira ser verdadeiro e direto, mas… sabe, às vezes, ser direto não significa ser ríspido. Você já percebeu que, quando você fala “na cara”, como diz, as pessoas acabam saindo magoadas? Não é possível que todos que se afastaram de você estivessem sendo “sensíveis demais”.
Ele ficou em silêncio, e eu aproveitei para continuar:
— Já pensou que talvez, no fundo, você use a "honestidade" como desculpa pra liberar qualquer coisa que sente, sem filtro nenhum? Isso, claro, sem pensar no impacto que vai causar nos outros. Às vezes, ser “sincero” do jeito que você diz pode ser só uma forma de ignorar a responsabilidade que tem pelo que diz e como diz.
Matheus bufou do outro lado da linha, mas, dessa vez, não respondeu de imediato. Depois de um tempo, ele falou:
— Tá, mas então o que você quer que eu faça? Que eu minta? Que eu diga o que ela quer ouvir só pra agradar?
— Não, não é isso — respondi com calma. — É sobre você encontrar uma forma de falar a verdade sem machucar. Se o que você tem a dizer é realmente importante, vale a pena investir no jeito de dizer, não acha? E outra, Matheus, a verdade que você acredita não é necessariamente a única verdade. Ser humilde também é reconhecer que, às vezes, você pode estar vendo só um lado da história.
Percebi que ele ficou mais pensativo, o que era raro. Continuei, aproveitando o momento:
— E outra coisa, você já percebeu como essa atitude sua, de “sou assim e quem quiser que aceite”, talvez esteja te afastando de pessoas importantes? Valéria, por exemplo, te ama, mas está magoada. E se você continuar nesse ciclo, cara, já pensou que vai afastá-la e perdê-la, como vem ocorrendo recorrentemente em sua vida?!
Depois de uma longa pausa, ele soltou um suspiro. — Nunca pensei muito nisso… Talvez eu esteja exagerando. É que… sei lá, às vezes, sinto que se não sou eu pra falar, ninguém vai falar.
— Tudo bem, entendo que sua intenção é nobre; não estou aqui sugerindo que seja desonesto ou deixe de falar a verdade, estou falando apenas a respeito da forma como se expressa. A gentileza e a humildade também fazem parte da sinceridade, sabe? Elas podem até tornar a verdade mais fácil de ser ouvida e aceita.
Matheus ficou em silêncio mais uma vez, e percebi que, finalmente, ele estava refletindo. Entender que podemos ser mais cuidadosos com nossas palavras e que nossa verdade não precisa ser uma arma é um aprendizado para qualquer um. Talvez aquele toque servisse para ele começar a repensar seu jeito de agir ou, pelo menos, plantar uma semente para que ele olhasse um pouco mais para dentro e questionasse suas próprias atitudes.
A conversa terminou de forma leve. Sentia que, mesmo que devagar, Matheus estava começando a abrir espaço para um pouco mais de empatia e autoconsciência. E, no fundo, era exatamente isso que eu queria — que ele percebesse que não se trata só de “ser verdadeiro”, mas de nos responsabilizarmos pelo que causamos nos outros com nossas ações e palavras. Afinal, o mundo já tem “sinceridade” demais — talvez o que falte seja um pouquinho de filtro e empatia.
— Alessander Raker Stehling
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