“Sinto muito pelo atraso”, disse Flávio (nome alterado), um paciente que tinha o costumeiro hábito de atrasar para as sessões de terapia comigo. Quem nunca se atrasou e pediu uma desculpa sincera? Quando isso ocorre, geralmente ficamos constrangidos e nos esforçamos para que a situação não se repita. Mas, no caso de Flávio, isso era recorrente.
Na sessão seguinte, imaginei que ele se atrasaria novamente, e, dito e feito, lá estava ele, repetindo a mesma desculpa: “Sinto muito pelo atraso”, disse. “Sente?”, perguntei. Ele ficou surpreso com a minha reação — afinal, normalmente as pessoas não questionam desse jeito — e continuei: “Você tem certeza de que sente muito pelo atraso? Essa é a quinta vez que me diz isso. Se realmente lamentasse, não se esforçaria mais para chegar no horário?” Essa pergunta abriu espaço para uma conversa profunda sobre suas reais necessidades, que estavam por trás desse hábito pouco saudável de me manter esperando. Ele admitiu, então, que acreditava que, ao se atrasar, eu ficaria pensando na ausência dele — havia, de certa forma, um prazer em prolongar essa espera.
Esse exemplo mostra o quanto todos nós, muitas vezes, evitamos a comunicação direta — e não é por mal. Flávio, como muitos, tem dificuldades em expressar o que realmente sente e acaba se escondendo atrás de desculpas automáticas. Quantas vezes usamos palavras para maquiar o que realmente queremos? Quantas desculpas usamos para evitar nos expor de verdade?
A verdade é que o medo de sermos rejeitados, julgados, feridos, ou de ferirmos os outros, nos aprisiona em padrões repetitivos, onde preferimos contornar a questão em vez de enfrentá-la com clareza e sinceridade. Muitas dessas dificuldades são moldadas desde a infância, em meio a experiências que nos ensinaram que expor nosso verdadeiro eu é arriscado — então nos fechamos, ocultando partes de nós mesmos.
Só que esse padrão de dissimulação, embora compreensível, cobra um preço alto. Ele enfraquece nossos relacionamentos, esconde nossas necessidades e nos impede de construir laços genuínos. Porque, para estabelecer boas relações, precisamos aprender a nos comunicar de forma objetiva, assertiva e clara.
A assertividade, diferente da comunicação disfarçada, é como uma luz em um quarto escuro: ela revela o que realmente queremos e pensamos. Ser assertivo não é ser rude ou insensível, mas corajoso o suficiente para honrar nossas próprias necessidades e respeitar as do outro. É o antídoto para as desculpas esfarrapadas, como as que Flávio usava para justificar seus atrasos. Ao confrontá-lo, ao questionar seu “sinto muito”, pude ajudá-lo a refletir sobre a real intenção por trás de sua atitude. E foi ali que ele, finalmente, percebeu que seu comportamento não era uma simples questão de tempo, mas uma tentativa de ser visto — uma maneira indireta de buscar atenção.
A lição que fica é que a comunicação assertiva é uma via para a autenticidade. Essa forma de comunicação não é fácil de ser conquistada, pois a dificuldade de expressá-la está normalmente enraizada em uma infância disfuncional, como notamos no caso acima. Porém, é por meio dela que nos libertamos do peso das desculpas vazias, do receio constante de sermos mal interpretados ou rejeitados. Quando assumimos a coragem de dizer o que pensamos e sentimos, sem disfarces, criamos espaço para relações mais verdadeiras e significativas.
E você, será que está se comunicando com clareza ou se escondendo atrás de desculpas?
— Alessander Raker Stehling
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