— Você se lembra do que almoçou há três anos?
— Claro que não!
— Mas isso não significa que você não almoçou.
Nossa psique funciona como um grande depósito. Algumas memórias ficam na prateleira da frente, sempre acessíveis. Outras são empilhadas lá no fundo, cobertas de poeira. Mas isso não significa que desapareceram.
O mesmo acontece com habilidades. Pense em quando você aprendeu a falar. No início, cada palavra era um desafio, cada construção de frase exigia esforço. Com o tempo, o processo se tornou automático. O mesmo vale para andar de bicicleta, dirigir um carro ou escrever seu nome. No começo, você precisava pensar em cada detalhe, mas hoje faz isso sem perceber. Esse conhecimento não desapareceu — apenas se tornou inconsciente.
E isso também acontece com emoções, experiências e traumas. Quem nunca sentiu um arrepio inexplicável ao ouvir uma música? Ou teve um cheiro transportando-o para uma lembrança distante? Às vezes, não sabemos por quê — mas nosso corpo lembra.
Freud percebeu isso ao estudar pacientes chamadas de “histéricas” em sua época. Essas mulheres apresentavam sintomas físicos e emocionais — paralisias, crises de ansiedade, até cegueira temporária — sem nenhuma explicação médica evidente. O que Freud descobriu foi surpreendente: esses sintomas não tinham origem fisiológica, mas estavam ligados a lembranças reprimidas. Ou seja, eventos traumáticos que, conscientemente, haviam sido esquecidos, mas que ainda se manifestavam no corpo e nas emoções dessas pacientes. Elas sabiam mais do que conseguiam expressar conscientemente — e esse fenômeno acontece com todos nós.
Agora pense: se existem saberes ocultos dentro de nós, que moldam nossas escolhas, medos e comportamentos, ignorá-los não é um risco? Quantas vezes reagimos de forma exagerada a uma situação sem entender o porquê? Quantas decisões tomamos sem saber o que realmente nos motiva? Já se pegou sentindo medo de algo sem razão aparente? Ou repetindo padrões nos relacionamentos sem conseguir quebrar o ciclo?
A verdade é que carregamos dentro de nós não apenas memórias esquecidas, mas também crenças, valores e medos que absorvemos ao longo da vida — muitas vezes sem perceber. Um adulto que sente insegurança ao falar em público pode estar revivendo, sem saber, a vergonha de ser ridicularizado quando era criança. Alguém que tem dificuldade em confiar nos outros pode estar repetindo uma experiência de traição que sua mente arquivou. E esses exemplos são apenas a ponta do iceberg.
Agora, imagine alguém que, por anos, sentiu uma angústia inexplicável ao ouvir um determinado som — talvez o barulho de um sino, o estalo de uma porta ou o som da chuva batendo na janela. Um dia, em um processo terapêutico, essa pessoa se lembra: era o som que antecedia uma discussão dos pais, quando era criança. De repente, tudo faz sentido. O medo nunca foi do som em si, mas do que ele significava.
E essa é a grande questão: quantas partes de nós mesmos estão falando sem que percebamos? Quantas vezes confundimos medo com intuição, trauma com realidade, defesa com verdade?
Quanto mais nos conhecemos, mais ampliamos nossas possibilidades. O autoconhecimento não é um luxo intelectual — é um resgate de nós mesmos. E, às vezes, uma única descoberta pode ser a chave para uma vida mais leve, mais consciente e, acima de tudo, mais livre.
— Alessander Raker Stehling
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