“Eu não fui com a cara dela.” Quem nunca ouviu ou até disse isso? Muitas vezes, as pessoas são julgadas assim, à primeira vista, sem chance de serem conhecidas. Talvez você já tenha sido chamado de “metido” só pela aparência ou achado que alguém “era chato” antes mesmo de trocar uma palavra com ela. Quando perguntamos a alguém que teve essa impressão, é comum ouvir: “Sei lá, senti uma coisa estranha, achei que você era mala. Mas agora, conversando contigo, vejo que estava enganado.”
Esse tipo de sensação, sem uma razão clara, é comum nas sessões de psicoterapia. Imagine alguém que, sem qualquer motivo aparente, começa a chorar no meio da sessão. Logo em seguida, tenta se desculpar: “Nem sei por que estou chorando, acho que foi aquele problema do trabalho, ou só o estresse da vida.” Muitas vezes, essa justificativa é uma tentativa de explicar algo que vem de mais longe, de algo “desconhecido” — um afeto inconsciente.
Freud observou, ao longo de seus estudos, que as ideias ou pensamentos ligados às experiências podem até ser “escondidos” da mente consciente, mas os sentimentos, os afetos ligados a essas ideias, permanecem vivos e atuantes. É como se a lembrança fosse empurrada para debaixo do tapete, mas o que ela nos faz sentir segue ali, à flor da pele, influenciando nossos sentimentos e reações. E esses afetos, quando desatados da experiência que lhes deu origem, podem se transformar em algo que nos incomoda profundamente, o que Freud chamou de “angústia” — algo que ele descreveu como “a moeda corrente universal, pela qual qualquer impulso afetivo é ou pode ser trocado, se o conteúdo ideativo ligado a ele for submetido ao recalcamento.”
Então, o que isso quer dizer? Em termos mais simples, significa que, enquanto os pensamentos e lembranças podem ser “enterrados” no inconsciente, os afetos ligados a eles não somem; eles encontram uma maneira de aparecer. Podem surgir como uma ansiedade sem motivo, uma irritação desproporcional ou até um desconforto com alguém sem nem saber por quê. Esse afeto “à deriva” pode se transformar em outros sentimentos, mudar de foco ou intensidade, ser deslocado para outras pessoas ou coisas, mas não desaparece — fica rondando nossa vida, manifestando-se de maneiras inesperadas, até que o reconheçamos. Em uma sessão de terapia, ao explorar esses afetos que parecem “sem dono”, frequentemente vemos que eles estão ligados a algo significativo, mesmo que a ideia original tenha sido reprimida ou esquecida.
É por isso que Freud disse: “Não existem afetos inconscientes.” Porque, no final das contas, os pensamentos podem até se esconder, mas os sentimentos dão um jeito de aparecer, mesmo quando não são chamados. Eles ficam ali, bem debaixo da superfície, prontos para se manifestar na primeira oportunidade.
Então, quando alguém não for com sua cara sem nem trocar uma ideia contigo, lembre-se: o problema provavelmente não está em você, mas em algo que essa pessoa ainda não conseguiu entender em si mesma.
É por isso que a psicoterapia é tão importante nesses casos. Ela permite explorar esses sentimentos não reconhecidos, dar-lhes uma voz e entender suas origens. Afinal, como Freud nos alertou: “As emoções não expressas nunca morrem. Elas são enterradas vivas e saem de piores formas mais tarde.” A terapia é o espaço onde esses afetos podem finalmente emergir e, com a ajuda do terapeuta, serem religados às suas causas, deixando de ser um fantasma influente e atuante em nossa vida. É ali que podemos, enfim, libertar-nos das correntes invisíveis que nos prendem, dar um novo significado à nossa história e, finalmente, viver de forma mais plena, mais inteira. Porque, quando entendemos o que sentimos e por que sentimos, encontramos a verdadeira liberdade de ser quem somos.
— Alessander Raker Stehling
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